O Caminho – dia 1

Antes de começar o caminho, ouvi um senhor com pouco mais da minha idade (vou fazer 50) a falar que gostava de ter feito um projecto qualquer relacionado com a escola onde lecciona, mas que não tinha tido tempo. Porque aquilo ainda dava um trabalho do caraças, e tinha de se deitar tarde a enviar emails, e não estava para isso. Tinha coisas para fazer, que eram uma chatice, e que lhe roubavam tempo para os seus projectos.

Depois de começar o caminho, depois de deixar a Se de Lisboa para trás e de entrar nas margens do Trancão, passei o meu primeiro peregrino. Era uma senhora francesa, com já mais alguns anos do que eu (devia ter 65). De mochila às costas, com uma vieira com a cruz de Santiago num vermelho vivo, caminhava com um bastão em cada mão. Abrandei, olhei para ela e desejei-lhe “bom caminho!”

Ela, com um sorriso enorme, disse qualquer coisa que não percebi. Parei e esperei por ela. Perguntou-me se também ia para Santiago e eu respondi que sim.

– On se reencontre lá! – Disse ela a sorrir.

Mais à frente, encontrei mais uns peregrinos no caminho. As vieiras penduradas nas mochilas não deixam margens para dúvidas. Já vinha tão entusiasmado a dar e a receber votos de Bom Caminho, que devo ter gritado um Bom Caminho um pouco acima do normal. Mas o rapaz retribuiu ainda mais alto e com um sorriso ainda maior, que ma fez corar de emoção.

Santiago não é a catedral. Nem a cidade que guarda as suas fundiações. Santiago são as raízes que se estendem ao longo dos montes e vales, das terras e das povoações, das pontes que atravessam rios, das estradas e dos carreiros. Santiago é o tempo que damos a nós mesmos. Para nos rodearmos de um mundo bonito, onde todos têm tempo para apreciar essa beleza.

Santiago é dos que encontram tempo para os seus projectos. Antes que não tenham tempo para os concretizar.

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