Se um dia algum dos meus filhos decidir ir a Santiago, espero que não seja porque se chateou com os pais, ou mais grave ainda, com a vida.
Mas se for por algum desses motivos, escolheu bem fazer o caminho. Porque caminhar assim, lentamente, carregando o fardo da nossa consciência, faz-nos bem. Faz-nos pensar. Serenar. E normalmente isso leva-nos à razão, que nem sempre é só nossa.
Mas se um deles o decidir fazer, espero que quando passarem por ele, abrandem. Usem a desculpa que a estrada está toda enlameada, e que não querem estragar o trabalho do Rúben, que tanto trabalho teve a lavar e a afinar as mudanças da Lael. Abrandem e desmontem. Caminhar também faz parte d’O Caminho.
Deixem-no falar. Deixem-no contar como anda a caminhar há muito tempo, uns caminhos atrás dos outros. 20 anos feitos e muitas incertezas nessa vida. Perseguir um Santiago que não existe nessa vida, que só existe no Caminho, e que por muitas voltas que se dê, acabamos sempre por chegar lá depressa.
Levem a bicicleta ao vosso lado, e deixem-no contar, feliz, como procura esticar o tempo da viagem, contando os cêntimos, dormindo em casas abandonadas e de 4 em 4 dias, num albergue, cozinhando as refeições no camping gás que carrega
E então, quase no fim, quando a estrada de alcatrão já aparecer no gps, falem-lhe do amor, falem-lhe de dormir abraçado a alguém todas as noites, falem-lhe de pegar um filho ao colo pela primeira vez e de como essa memória fica cravada na memória para sempre. Falem-lhe de outros Santiagos: os que se conquistam com a determinação e o suor, no dia-a-dia do outro caminho, que temos de percorrer depois de ganhar a Compostela.
Despede-te dele e segue o teu caminho. Mas arrepende-te e volta para trás. E dá-lhe aquilo que tens em excesso e que lhe faz falta. Mesmo que ele teime em não aceitar, insiste. Ele aceita de certeza, porque sabe que dás com toda a tua amizade e respeito. E juro que nunca vais esquecer aquele abraço tão sentido!
E o teu caminho ganha sentido. Afinal, foi para isto que partiste!
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